pausa.
sempre estas pausas entre tudo.
sempre este parar, esperar.
pausa.
pára, espera!
mas vejo o resto do ciclone
a chegar,
daqui de dentro do olho
preparo-me para o embate,
combate?
não,
estou rendido e derrotado
e sem luta para dar.
pausa.
mudamos de posição,
damos 3 passos para desntropecer as pernas
e deitamos de novo as nossas esperanças
que cada dia pesam mais
e valem menos.
"é doce o sabor das lágrimas de amor"
escreve o poeta, mentindo-se:
toda a lágrima sabe a sal
pausa.
o corpo diz-me que está aqui,
mas não lhe ligo,
não acredito nele,
se não posso acreditar no amor,
porque havia de acreditar na carne?
ilusões!
ambos ilusões,
somos apenas a consciência da existência
e estamos sós,
uma semente de vida na escuridão
(a absoluta escuridão do nada)
e toda a realidade é apenas
algo que desesperamos por negar.
pausa.
finjo-me real e físico e matéria.
pausa.
demasiado tarde,
imensamente demasiado tarde.
vejo o ponteiro a mexer,
vejo o minuto a passar,
o passado,
acaba.
pausa.
tenho já as lágrimas que te irei chorar
nos olhos,
ansiosas por correrem pela minha cara abaixo
conhecerem o sabor da minha pele
da minha barba,
das minhas mãos.
querem sair,
estão presas à esperança há tanto tempo,
querem largar-se,
saltar.
pausa.
estranha serenidade triste me invade
um zen de quem deixou para trás
a crença na felicidade e assim
é feliz apenas em a ter conhecido.
pausa.
abro os olhos para fora de mim,
não,
de nós. Não estou em mim,
estou em nós,
mas nós... nós não existe
não é igual,
não é completo o nosso palácio,
falta-lhe a alma de nós
agarro-me aos fragmentos
da tapeçaria remendada e reremendada
com as duas mãos,
ganancioso de tudo o que existe ainda,
não quero perder um único segundo
que já perdi tantos...
pausa.
o tempo não existe aqui.
é ainda aquele mesmo dia em que cá fiquei,
sozinho,
pela primeira vez.
estás nestas paredes,
elas fazem parte das tuas estrofes
a tua presença aqui abraça-me
e faz-me calmo
pausa.
a vida terá de continuar,
não pára por algo tão pequeno
como a morte de um futuro apenas,
dois.
morre também o teu.
mas tu já o tinhas morto antes,
não foi?
e eu,
raio de mania que tenho
que comando o destino do mundo
e tenho poder sobre os mortos...
necromante de merda que me saíste,
que tudo o que ressuscitas
morre logo de seguida..
pausa
e após a pausa, outra pausa.
os tentáculos do tempo não têm pressa
para me apanhar,
carregam neles toda a inevitabilidade
daquilo que é.
pausa.
destrói-se a mente um pouco mais
para não ter de pensar
para conseguir fingir,
por breves que sejam os segundos da fé,
que tudo está bem,
melhor que isso até!
que o sol que brilha realmente aquece
este frio imenso
que a música que berra realmente acalma
este tremor constante
que...
pausa.
e quebra a ilusão.
pausa,
e volto a estar aqui
dentro da tua carne de estuque e cimento
mas a tua alma ainda não está cá
e a minha
já não ecoa como ecoava
pausa.
como é estranho sentir já saudades
do sítio onde estou...
pausa.
não vejo um caminho fora deste:
quis com tanta força ser este teu eu
que me esqueci
de qual seria o verdadeiro
meu eu
pausa.
toda a espera é em vão,
"há sempre um inverno a seguir ao verão"
e uma lágrima no fim de casa sorriso.
pausa.
não quero fumar mais,
não quero beber e esquecer,
quero estar realmente aqui
quando tu chegares
para que todo eu se possa despedir de ti.
pausa,
sempre em pausa,
há horas em pausa,
há dias em pausa,
há semanas, meses!
tudo parado,
à espera da tua chegada a casa
para te dizer
bem vinda, os teus animais esperaram por ti.
...
pausa.
sei que devo comer,
sei que a minha cara deve ser a de quem morre,
uma sombra do que era.
queria esperar,
mas não sei quanto mais consigo aguentar...
pausa.
e tudo rebenta neste nexus de possibilidade
e colapsa, colapsará em realidade
assim que o tempo voltar a andar.
pausa.
somos o intervalo entre o mundo
e o sonho.